31.5.07

Texas

Carlos Miguel Fernandes, Aeroporto de San Antonio, 1999 (Polaroid 600)

25.5.07

Prateleira - Bordertown, de Barry Gifford e David Perry


Comprei Bordertown no Texas, em 1999, não muito longe da fronteira que o livro de Barry Gifford e David Perry intenta retratar. Mas a distância entre San Antonio e a linha que divide os EUA do México é ainda suficientemente grande para afastar da cidade do Álamo o desassossego que cerca tantos lugares de passagem, e que os corrompe para além do tolerável, oferecendo-lhes como reparação inglória uma aura romântica que seduz sem mais argumentos do que a honestidade dos seus recantos pútridos. Talvez por isso, talvez por estar tão perto de um abismo que atrai toda a desordem como um vórtice ardiloso, San Antonio é uma cidade branda sem muitos argumentos para além do inevitável Álamo e de toda a história que lhe está associado. Curiosamente, foi na Batalha do Álamo (1836) que a fronteira actual entre os EUA e o México se começou a desenhar a traço indelével. Foi nesse território que dois artistas americanos se moveram para realizar Bordertown, um esboço directo e áspero da vida nas terras raianas da América Central, feito com as imagens do fotógrafo David Perry e com os textos e desenhos de Barry Gifford, autor de Wild at Heart, obra que foi transformada em filme por David Lynch em 1990.
O livro não esconde um apurado trabalho gráfico, mas não se deixa cair no pudor acusatório nem resvala para a romantização de um mundo com feridas profundas. O tráfico de droga, os raptos, os assassinatos, a prostituição e os pequenos crimes convivem com o quotidiano da rua, e a maldição estende-se pelos três mil e cem quilómetros da fronteira internacional mais movimentada do mundo. Bordertown mostra um universo sem rasto de redenção, pois os seus actores não parecem procurá-la. As personagens percorrem o livro e as silhuetas da paisagem urbana como caminham nas cidades da fronteira: resignadas, felizes ou infelizes. À sua maneira excessiva, estas bordertowns são também cidades tristes e alegres.
Ao contrário de Palla e Costa Martins, Gifford e Perry não ficarão arrolados em lugar de destaque na História da Fotografia e do livro de fotografia. Mas Bordertown não é uma obra desprezável e serviu de complemento a uma viagem que não pôde ir além de San Antonio. Com Bordertown tive a ilusão de ir um pouco mais longe. E há lugares que só se visitam nos livros.

Carlos Miguel Fernandes

10.5.07

Olivier Rolin e as Fotografias de Kafka

Embora um ampliação, que me deu em Praga a sobrinha de Franz, tenha para mim um valor especial, nem por isso deixa de ser uma fotografia muito conhecida, a mesma, sem dúvida, a que Borges aludiu, nessa noite de que te falei, em Buenos Aires, e onde se vê Kafka, de pé sobre o empedrado, em frente a uma loja com o letreiro de Herman Pollak: veste um fato de três peças cinzento, um casaco escuro, tem um colarinho redondo e um gravata – aparentemente a mesma roupa que noutra fotografia onde está encostado ao pedestal de uma coluna, com a sua irmã Ottla -, e um chapéu cuja sombra lhe desce precisamente, sobre o rosto, até aquela linha debaixo dos olhos, deixando na luz a boca grande de sorriso triste,
o nariz, e o lóbulo inferior das orelhas.

Olivier Rolin, O Bar da Ressaca



Provavelmente, é esta a imagem que Rolin descreve em O Bar da Ressaca, obra que vagueia por Praga, Buenos Aires e Trieste, num delírio de palavras etílicas. (Não é claramente visível na reprodução, mas, no pequeno letreiro branco, junto ao ombro direito de Kafka, pode ler-se “Herman Pollak”.)




Praga, a cidade de Kafka. Será? Uma outra leitura da obra do escritor judeu pode levar-nos por diferentes caminhos, os quais talvez até se bifurquem.
Em 1923, numa carta à sua irmã Ottla, Kafka falava numa cidade que amava, mas também temia. Praga era a sua prisão, a sua colónia penitenciária, a sua tortura, o rosto da infelicidade, a matrona perfeita que, emparelhada com o seu pai, tão bem representava a tirania da família autoritária da Europa germânica e judia.

Praga vende Kafka e Kafka vende Praga, mas o autor nunca escreveu na língua checa. O fantasma de Kafka persegue o turista em cada esquina de Praga, e ao seu nome estão associadas inúmeras casas no centro da capital da Boémia. Mas as palavras de Kundera, (...) sobre Franz Kafka (que, infeliz a vida toda na cidade, se tornara graças às agências de viagens, no seu santo padroeiro) (...) talvez sejam mais verdadeiras do que uma leitura apressada do seu desabafo possa levar a crer. Kafka viveu aqui, Kafka trabalhou ali, Kafka escreveu O Castelo acolá...Kafka viveu e morreu como um cão nesta cidade.


A segunda imagem que Rolin descreve pode ser esta.


O escritor com Ottla, a sua irmã favorita. Um sorriso raro nos lábios. Um conforto fraterno, longe da mãe-cidade e do deus-pai.

Carlos Miguel Fernandes

P.S. Estas duas fotografias, e outras imagens de Kafka e de Praga, podem ser encontradas no livro A Praga de Franz Kafka, de Klaus Wagenbach, traduzido e editado em Portugal pela Fenda em 2001.

2.5.07

Novo Curso de Fotografia

Já estão abertas as inscrições para o novo curso de iniciação à Fotografia. Há cerca de dez anos fundámos aquilo que chamámos, com alguma expectativa, a Escola de Fotografia do NAF. Dividimos o período de aprendizagem em diferentes níveis, estimulámos a produção de exposições no final dos cursos (a preparação de uma exposição fez sempre parte do programa da última fase), realizámos algumas workshops. O balanço é positivo, mas muita coisa mudou na Fotografia durante estes últimos dez anos. Chegou a hora de reformular os cursos do NAF, e o primeiro capítulo desta nova era começa no dia 16 de Maio. Na página do NAF podem encontrar informações detalhadas sobre o curso de iniciação (horário, preço e programa). Em breve, e em consonância com a resposta dada pelo público a esta nova iniciativa, divulgaremos o programa e a data de início da segunda fase.

(Capa do catálogo, com uma imperdoável gralha, editado por ocasião da primeira exposição do nível 3 do curso de fotografia do NAF, em 1998.)


Informações: naf.ist@gmail.com


NAF

1.5.07

Leilão AMADEO

(Comunicado de imprensa da Potássio Quatro)

O próximo leilão de fotografia promovido pela Potássio Quatro no Centro Cultural de Belém a 12 de Maio (sábado) leva à praça um total de 260 lotes entre os quais as raras 1ª edição de "Le Petit Prince" de Saint-Exupéry e uma imagem assinada de Amadeo de Souza-Cardoso, 6 lotes com fotografias de Fernando Pessoa (espólio Ofélia Queiroz), um exemplar de "Lisboa cidade triste e alegre" de Victor Palla e Costa Martins, retratos de Almada Negreiros e Ramalho Ortigão.

Entre os fotógrafos antigos estão presentes nomes como J.A.Cunha Moraes, Mário Novaes, San Payo, Marianna Relvas, Giacomo Brogi, Joshua Benoliel, Arnaldo Garcez Rodrigues ou Denis Salgado.


Entre os fotógrafos actuais contam-se lotes de Fernando Lemos, Eduardo Gageiro, José M. Rodrigues, Paulo Lobo, Marta Sicurella, Carlos Miguel Fernandes ou Paulo Catrica.


Mais informação sobre este leilão em
http://www.potassioquatro.com/auctions/room_auctions


Luís Trindade

Potássio Quatro

Centro Cultural de Belém, módulo 3, loja 041449-003 Lisboatel./fax: + 351 213621894



(Ler o relato da Ângela Camila sobre os dois primeiros leilões da Potássio Quatro)

José M. Rodrigues, Odivelas-1997. Awarded photographer: Vrije Creatieve Opdracht 1982 (Holland), Prémio Pessoa 1999 (Portugal). 57 x 45cm.


Carlos Miguel Fernandes