24.7.07

Curso de Fotografia (de Verão)

As inscrições para o curso de Verão que se inicia na próxima segunda-feira, dia 30 de Julho, já estão abertas. São duas semanas de curso, quatro aulas por semana, de segunda a quinta das 19 às 21.30. Parece que há problemas com a página do NAF, e a sua actualização tem sido impossível nos últimos dias. Por isso, quem desejar mais informações sobre este curso pode contactar-nos através de correio electrónico (naf.ist@gmail.com).

NAF

19.7.07

Ainda a Roma de Martin Parr

And now? What could be more irreverent than tourists? Just look at them, with their cameras and cokes and caps and maps: anything but sublime.
But then look — and think — again. If you really open your eyes, isn’t what you are seeing also a collective rite? The meal under the Pantheon’s colonnade — doesn’t that have a touch of the sacramental? The enthusiastic photographers taking pictures with cameras held aloft over the crowds, isn’t that capturing the sublime, a latter-day divination?

Esta introdução de Barry Fifield ao livro Tutta Roma vê aquilo que um primeiro olhar distraído não encontra logo na obra de Martin Parr. Parr, o fotógrafo das massas. Parr, o fotógrafo do consumismo. São estes os epítetos habituais com os quais o autor inglês, membro efectivo da Magnum, é frequentemente classificado, epítetos carregados de um sarcasmo que pretende reflectir a sua fotografia, e que talvez por isso estejam longe da verdade.

Um olhar mais atento sobre a obra revela logo a faceta mais lúdica: o sentido de humor. Mas Parr não goza com aquelas pessoas; não se ri delas, mas ri-se com elas, e dele mesmo. Martin Parr sabe que aqueles seres encavalitados que vê a tentar fotografar o Coliseu, ou nos corredores dos supermercados a encher os carrinhos, têm um nome carregado de nobreza: humanidade. Somos nós. Todos. Olhá-los do alto de um pedestal é pecado que o fotógrafo não comete, pois sabe que também faz parte daquele tropel que invade as cidades quando o calor aperta.

Carlos Miguel Fernandes, Trafalgar Square, Londres, Julho de 2007

No sábado passado estava, por volta das três da tarde, em frente da Catedral St. Paul, em Londres. Durante uns instantes, olhei para aquela multidão que se agregava nas escadas e na entrada do enorme edifício e senti um arrepio. Como é possível um ser humano sujeitar-se a tais tempos de espera e encontrões?, pensei. No mesmo instante reparei que também eu estava ali, no meio daquela romaria, e, sendo verdade que não pretendia entrar, não me podia esquecer que, de alguma forma, seguira uma espécie de corrente que me trouxera até àquela praça. Não entrei na St. Paul, tal como nunca tive paciência para enfrentar as filas que se formam à entrada da Uffizi, em Florença. Mas já estive na Catedral de S. Estevão, em Budapeste, e no Rainha Sofia de Madrid, entre tantos e tantos lugares eleitos por aquele bando para o qual eu agora olhava com comiseração. Mas eu sou, afinal, um deles.

One of us, one of us, é a ladainha aterradora que os deformados de Freaks, de Todd Browning, repetem enquanto se aproximam da mulher “normal”. O verdadeiro monstro é, afinal, essa mulher. Tal como os verdadeiros “coitados” são aqueles que olham para o turismo de massas com repulsa, como uma ameaça da globalização. São patéticos, esses cardumes de turistas de máquina em riste? (Os japoneses foram gozados durante anos devido à forma compulsiva como disparavam as câmaras, mas agora, na era digital, somos todos japoneses de dedo nervoso, não é?). Talvez. Mas somos nós. Martin Parr sabe isso e não (n)os olha com desdém. Porque é um de nós, one of us. E mesmo que não fosse, é um cavalheiro, e um cavalheiro não goza com os outros. Prefere procurar o sublime.

Carlos Miguel Fernandes

9.7.07

Roma em Londres

Já havia sido alertado pela Madalena. Encontrei o livro na Judd Books, em Bloomsbury. Used and Bargain!, alardeia a casa. E tem razão. Nove libras pelo Tutta Roma de Martin Parr é um belo negócio. E há quem diga que Londres é uma cidade cara!

Carlos Miguel Fernandes

1.7.07

Fotografar as Vozes

Nessa manhã meu pai chegou quando Massino ainda dormia. O velho se intrometeu no meu quarto e espreitou tudo como um cachorro farejando desconfianças. Parou junto à mesa onde o italiano deixara o gravador.
- É esta máquina que fotografa as vozes?
- É.
- Que vergonha, meu filho. Que vergonha.

Mia Couto, O Último Voo do Flamingo

Mia Couto é o escultor de uma nova língua para a memória futura da lusofonia. O escritor moçambicano, enriquecido pelos sons impolutos de um idioma ainda livre dos grilhões da forma, vem criando um mosaico de neologismos, glosando, através da ficção, uma oralidade cuja riqueza pode ficar perdida nos caminhos percorridos pelos longos passos da História. No excerto transcrito, mais do que a invenção das palavras, encontramos um recurso literário aparentemente rudimentar, mas que apresenta cambiantes imprevistas.
Metáfora, — se aceitarmos a personificação quase intrínseca dos aparatos evocados, e trocarmos o sujeito do verbo — ou apenas metonímia? Ou será animismo, pois, apesar do senso comum nos conduzir frequentemente até à mais antropomórfica das figuras de estilo, a fotografia é uma nobre arte que demanda a sageza humana, que recusa a inconsequência de um mecanismo inanimado e a redução do acto de fotografar a um instante mecânico? E as vozes? O que são as vozes? Sons emitidos pela laringe com o ar que sai dos pulmões, ou discurso humano coerente?

Mas deixemos a estrutura literária e concentremo-nos na simplicidade das palavras e na complexidade dos conceitos. Com Mia Couto assistimos à irrupção do polimorfismo no verbo “fotografar”. Mas foi George Eastman (1854-1932) quem, no final do século XIX, democratizou o acto de fotografar.

Eastman, desde da cozinha da sua mãe, onde produzia emulsões e negativos de vidro, rodeado por um magote de panelas, construiu um império multinacional, a Eastman Kodak Company, o qual ainda hoje se movimenta com facilidade numa parcela significativa do mercado fotográfico. Dos negativos de vidro, que começou a fabricar em 1880, Eastman rapidamente se envolveu em processos inovadores e fundamentais para o salto evolutivo que, no final do século XIX, marcariam o processo fotográfico. Em 1888, a Kodak nº1 — um aparelho simples, de formato paralelepipédico, com foco e tempo de exposição fixos — foi lançada no mercado americano, e em pouco tempo, a sua extraordinária facilidade de utilização alargou consideravelmente o conjunto de praticantes da arte fotográfica. Os negativos em vidro, nada maleáveis e de natureza individual, davam o seu lugar, pela primeira vez, a um rolo flexível, sensível à luz, no qual era possível registar uma centena de negativos. Depois de captadas as imagens, o aparelho era enviado para o fabricante, e este, depois de processar a película e imprimir as provas em papel, devolvia-o ao seu proprietário, acompanhado pelas desejadas fotografias e devidamente guarnecido com um novo rolo.Apesar do êxito, o processo, que parecia marcar uma espécie de regresso ao passado da talbotipia (ou calotipia), — método contemporâneo da daguerreotipia, criado por Henry Fox Talbot, que consistia na captação de imagens num papel previamente sensibilizado com sais de prata, e posterior passagem para positivo através de contacto com outra superfície sensível — apresentava o mesmo defeito do qual enfermava o seu antepassado: as imagens positivas, por não serem obtidas através de um negativo transparente, perdiam qualidade, na definição e no contraste, mesmo quando o rolo era mergulhado em óleo de rícino para perder alguma opacidade (tal como também acontecia com os calótipos, nos anos quarenta do século XIX).No entanto, Eastman não descansou à sombra do sucesso obtido pela nº1. O suporte em papel acabou por ser substituído por plástico (nitrato de celulose), em 1889, e, até ao aparecimento da fotografia digital, foi este o paradigma dominante no mercado dos materiais fotográficos sensíveis à luz. O sucesso do velho produtor de emulsões é histórico. A Kodak nº1 vendeu 30 000 unidades no primeiro ano de comercialização, e a sua sucessora, a Kodak nº2, já tinha sido comprada, a meio da década de 1890, por mais de 100 000 amadores. A partir dessa altura, a fotografia deixou de ser privilégio de profissionais e aristocratas ociosos, e espalhou-se por uma população ávida de novas imagens.


Carlos Miguel Fernandes


Bibliografia
1- Pavão, L., Conservação de Colecções de Fotografia, Dinalivro, 1997.

2- Pollack, The Picture History of Photography, Harry N. Abrams, Inc., New York, 1977.