25.5.07
Prateleira - Bordertown, de Barry Gifford e David Perry
O livro não esconde um apurado trabalho gráfico, mas não se deixa cair no pudor acusatório nem resvala para a romantização de um mundo com feridas profundas. O tráfico de droga, os raptos, os assassinatos, a prostituição e os pequenos crimes convivem com o quotidiano da rua, e a maldição estende-se pelos três mil e cem quilómetros da fronteira internacional mais movimentada do mundo. Bordertown mostra um universo sem rasto de redenção, pois os seus actores não parecem procurá-la. As personagens percorrem o livro e as silhuetas da paisagem urbana como caminham nas cidades da fronteira: resignadas, felizes ou infelizes. À sua maneira excessiva, estas bordertowns são também cidades tristes e alegres.
Ao contrário de Palla e Costa Martins, Gifford e Perry não ficarão arrolados em lugar de destaque na História da Fotografia e do livro de fotografia. Mas Bordertown não é uma obra desprezável e serviu de complemento a uma viagem que não pôde ir além de San Antonio. Com Bordertown tive a ilusão de ir um pouco mais longe. E há lugares que só se visitam nos livros.
10.5.07
Olivier Rolin e as Fotografias de Kafka
Embora um ampliação, que me deu em Praga a sobrinha de Franz, tenha para mim um valor especial, nem por isso deixa de ser uma fotografia muito conhecida, a mesma, sem dúvida, a que Borges aludiu, nessa noite de que te falei, em Buenos Aires, e onde se vê Kafka, de pé sobre o empedrado, em frente a uma loja com o letreiro de Herman Pollak: veste um fato de três peças cinzento, um casaco escuro, tem um colarinho redondo e um gravata – aparentemente a mesma roupa que noutra fotografia onde está encostado ao pedestal de uma coluna, com a sua irmã Ottla -, e um chapéu cuja sombra lhe desce precisamente, sobre o rosto, até aquela linha debaixo dos olhos, deixando na luz a boca grande de sorriso triste,
o nariz, e o lóbulo inferior das orelhas.
Olivier Rolin, O Bar da Ressaca
Provavelmente, é esta a imagem que Rolin descreve em O Bar da Ressaca, obra que vagueia por Praga, Buenos Aires e Trieste, num delírio de palavras etílicas. (Não é claramente visível na reprodução, mas, no pequeno letreiro branco, junto ao ombro direito de Kafka, pode ler-se “Herman Pollak”.)
Praga, a cidade de Kafka. Será? Uma outra leitura da obra do escritor judeu pode levar-nos por diferentes caminhos, os quais talvez até se bifurquem.
Em 1923, numa carta à sua irmã Ottla, Kafka falava numa cidade que amava, mas também temia. Praga era a sua prisão, a sua colónia penitenciária, a sua tortura, o rosto da infelicidade, a matrona perfeita que, emparelhada com o seu pai, tão bem representava a tirania da família autoritária da Europa germânica e judia.
Praga vende Kafka e Kafka vende Praga, mas o autor nunca escreveu na língua checa. O fantasma de Kafka persegue o turista em cada esquina de Praga, e ao seu nome estão associadas inúmeras casas no centro da capital da Boémia. Mas as palavras de Kundera, (...) sobre Franz Kafka (que, infeliz a vida toda na cidade, se tornara graças às agências de viagens, no seu santo padroeiro) (...) talvez sejam mais verdadeiras do que uma leitura apressada do seu desabafo possa levar a crer. Kafka viveu aqui, Kafka trabalhou ali, Kafka escreveu O Castelo acolá...Kafka viveu e morreu como um cão nesta cidade.
A segunda imagem que Rolin descreve pode ser esta.
O escritor com Ottla, a sua irmã favorita. Um sorriso raro nos lábios. Um conforto fraterno, longe da mãe-cidade e do deus-pai.
Carlos Miguel Fernandes
P.S. Estas duas fotografias, e outras imagens de Kafka e de Praga, podem ser encontradas no livro A Praga de Franz Kafka, de Klaus Wagenbach, traduzido e editado em Portugal pela Fenda em 2001.
2.5.07
Novo Curso de Fotografia
(Capa do catálogo, com uma imperdoável gralha, editado por ocasião da primeira exposição do nível 3 do curso de fotografia do NAF, em 1998.)
Informações: naf.ist@gmail.com
NAF
1.5.07
Leilão AMADEO
O próximo leilão de fotografia promovido pela Potássio Quatro no Centro Cultural de Belém a 12 de Maio (sábado) leva à praça um total de 260 lotes entre os quais as raras 1ª edição de "Le Petit Prince" de Saint-Exupéry e uma imagem assinada de Amadeo de Souza-Cardoso, 6 lotes com fotografias de Fernando Pessoa (espólio Ofélia Queiroz), um exemplar de "Lisboa cidade triste e alegre" de Victor Palla e Costa Martins, retratos de Almada Negreiros e Ramalho Ortigão.
http://www.potassioquatro.com/auctions/room_auctions
José M. Rodrigues, Odivelas-1997. Awarded photographer: Vrije Creatieve Opdracht 1982 (Holland), Prémio Pessoa 1999 (Portugal). 57 x 45cm.
Carlos Miguel Fernandes