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5.3.07

Yousuf Karsh e Churchill

Vestia kilt e tocava gaita-de-foles nas festas escocesas. Possuía uma que lhe fora enviada da Escócia e ele próprio fabricara outra durante os longos invernos da Patagónia. Nas paredes da casa estavam penduradas vistas da Escócia,fotografias da família real britânica e o retrato de Winston Churchill por Karsh.
Bruce Chatwin, Na Patagónia



Lendo este trecho podemos conjecturar que Bruce Chatwin (1940-1989) e Luis Sepúlveda partilhavam, para além da paixão pela Patagónia e a afeição pelos moleskine, um razoável conhecimento da obra de Yousuf Karsh (1908-2002 ).
É este o retrato a que Chatwin se refere, e que fez de Karsh um fotógrafo famoso.


Yousuf Karsh, Winston Churchill, 1941


A imagem tornou-se num símbolo da Inglaterra e da sua vontade de combater e vencer, numa época em que os seus cidadãos sofriam com os bombardeamentos alemães. Hoje, quando tanto se fala na "postura de estadista", recordamos a génese de um retrato e de um político que ajudaram a definir o paradigma dessa postura, fisica e politicamente.
Em 1941, W. L. Mackenzie King, o primeiro-ministro do Canadá, combinou um encontro entre Yousuf Karsh e Winston Churchill (1874-1965), durante o qual o fotógrafo acabou por realizar o retrato que marcou a História da Fotografia, tal como o Churchill marcou a História do século XX. O encontro deu-se após o discurso de Churchill no parlamento canadiano e não durou mais do que dois minutos. O primeiro-ministro inglês, que iniciou a sua carreira política em 1900, no partido conservador, embora tenha também passado por governos liderados pelo partido liberal, entrou impaciente na sala reservada para o encontro, fumando um charuto que acabara de acender. O fotógrafo, habituado ao controlo total do retrato e do retratado, pediu delicadamente a Churchill para apagar o charuto: – Sir, here is an ashtray. – ao que Churchill respondeu com o silêncio. Karsh, com pouco tempo e paciência, arrancou o charuto das mãos de Churchill e disparou o obturador da sua câmara. E assim ficou registada a célebre “cara de mau” do primeiro-ministro inglês! Este, dirigindo-se de seguida a Karsh, disse-lhe, enquanto lhe apertava a mão: – Well, you can certainly make a roaring lion stand still to be photographed.


Esta é a lenda, e talvez não seja mais do que isso. Mas quando a lenda é mais interessante do que a realidade...imprime-se a lenda.

(Fonte: Peter Pollack, The Picture History of Photpography - From the earliest beginnings to the present day. Abrams Pub., New York, 1977)

Carlos Miguel Fernandes

26.2.07

Yousuf Karsh e Hemingway

O Papá Hemingway acompanha-me desde rapaz. Diante da masseira de padeiro onde estou a escrever, tenho uma fotografia dele que o mostra com uma grossa camisola de lã, e vêem-se-lhe no rosto todas as marcas que a vida lhe foi talhando.
Luis Sepúlveda, As Rosas de Atacama


Referir-se-á Luis Sepúlveda ao famoso retrato do escritor norte-americano realizado por Yousuf Karsh (1908-2002 ) em 1957?


Yousuf Karsh, Ernest Hemingway, 1957


Os sinais são visíveis. A camisola de lã e as rugas do escritor, realçadas pela iluminação contrastada, tão característica de Karsh. Ernest Hemingway, velho e com rosto de marinheiro, faces tisnadas pelo sol e pelo sal, acompanha Sepúlveda desde rapaz, ditando-lhe frases curtas que o escritor chileno arranja em pequenas histórias, de toureiros e canalhas, de heróis e cobardes, de comboios e baleias, e de outros velhos, velhos que não escrevem romances. Mas lêem.
Yousuf Karsh, nascido na Arménia, em 1908, foi o grande retratista, de matriz clássica, do século XX. Como um pintor renanscentista, Karsh retratou alguns dos estadistas mais poderosos e influentes da sua época. Com traços de pós-modernidade, repetiu formas passadas e vampirizou a imagem dos seus colegas artistas: os pintores Pablo Picasso e Juan Miró, o arquitecto Frank Lloyd Wright, o escultor Alberto Giacometti, o compositor Jan Sibelius, o poeta George Bernard Shaw, o fotógrafo Ansel Adams e o cineasta Cecil B. de Mille foram alguns dos ilustres criadores que posaram para a câmara de Karsh.Com um apuramento técnico invejável, Karsh trabalhava a composição da imagem, aproveitando a expressão, o porte e a indumentária do retratado para, em conjunto com o ambiente circundante, realizar imagens poderosas, psicologicamente complexas e de uma intemporalidade que a abordagem clássica ajudou a forjar.
A iluminação, aparentando origem natural nalguns retratos, é o resultado de um cuidadoso trabalho com uma ou mais fontes de iluminação artificial, as quais ajudavam o artista a criar a ambiência, a textura e a suavidade adequadas à figura que se mostrava perante a sua câmara. Compare-se a luz de Ernest Hemingway, dura, sincera, quase trágica, com o ambiente delicado que o fotógrafo criou para Audrey Hepburn, realçando a silhueta elegante e os cabelos negros e lisos com um fundo claro e intensamente iluminado. Karsh esculpiu Hemingway em rocha, criou-lhe uma imagem, um ícone que lhe sobreviveu e que prolongou o mito. Audrey Hepburn foi desenhada a traço firme e rigoroso, bidimensional, como o são tantos actores quando despem a pele de complexas personagens, ou quando deficientemente as vestem. Yousuf Karsh transformou Hepburn na sua boneca de luxo.

Carlos Miguel Fernandes