Afinal, Carlos, depois de fechar a porta, pediu-lhe que fosse pessoalmente a Ruão a fim de saber quais poderiam ser os preços de um bom daguerreótipo; era uma surpresa sentimental que reservava à sua mulher, uma atenção fina, o seu retrato, de casaca. Mas queria primeiro saber, para fazer os cálculos; essas passadas não deviam custar muito a Leão, porque era rara a semana que não ia à cidade.
O daguerreótipo foi a primeira forma popular de fotografia. O termo pode designar o resultado final ou o processo, o qual se caracterizava por produzir provas únicas de elevada qualidade. A sua invenção foi comunicada ao mundo no dia 6 de Janeiro de 1939 (19 de Agosto foi a data oficial do anúncio e da divulgação dos pormenores do processo) pela Academia de Ciências francesa. O invento (e a sua designação) ficarão para sempre associados ao nome de Louis-Jacques Mandé Daguerre (1787-1851), mas a injustiça é evidente se nos lembrarmos que foi Joseph Nicéphore Niépce (1765-1833) quem desenvolveu as bases teóricas, técnicas e científicas do processo.
Enquanto a Fotografia que nos habituámos a conhecer até à chegada da era digital se baseava no princípio do negativo-positivo e nas inúmeras reproduções que podiam ser feitas a partir uma imagem, o daguerreótipo resultava num exemplar único em positivo com uma óptima definição de pormenores. E se este apuro lhe garantiu uma popularidade inabalável durante os anos quarenta do século XIX, relegando o negativo-positivo para uma evolução paralela com poucos adeptos entre os profissionais, o carácter único das provas acabou por ser umas das causas do seu declínio quando o processo concorrente se aperfeiçoou até chegar a um nível que satisfez os fotógrafos. Estes, maioritariamente envolvidos no negócio do retrato e bem servidos pelo daguerreótipo, não estavam interessados nas imperfeições e nos longos tempos de exposição inerentes aos primeiros passos do processo alternativo e exigiam mais.
O pioneiro do método fotográfico baseado no princípio negativo-positivo foi o inglês William Henry Fox Talbot (1800-1877). A técnica que Talbot desenvolveu envolvia imagens em negativo e reproduções em positivo, ambas sobre papel, mas a fraca definição das provas finais e a impossibilidade de utilização livre do método (Talbot patenteara a sua invenção e exigia o pagamento de direitos de autor a quem utilizasse comercialmente o seu método fotográfico) mantiveram a calotipia, também conhecida por talbotipia, e outras técnicas herdeiras do processo longe da preferência dos fotógrafos profissionais durante mais de uma década. No entanto, o seu paradigma acabaria por vingar, dominando grande parte da História da Fotografia; a daguerreotipia como método preferido pelos fotógrafos profissionais acabaria por ser substituída durante os anos cinquenta do século XIX pelos negativos de colódio húmido em vidro e provas de albumina. Foi Frederich Scott Archer (1813-1857) quem deu o derradeiro impulso na queda da daguerreotipia, ao usar colódio húmido em vez da habitual albumina na ligação dos sais de prata ao vidro, aumentado a qualidade das reproduções e diminuindo as dificuldades técnicas. No entanto, a albumina continuou a ser usada no papel para as provas em positivo durante mais algumas décadas, até ser substituída pelo papel de fabrico industrial nos anos oitenta do século XIX.

Hippolyte Bayard, Autoportrait en noyé, 1840
Um resumo dos primórdios da História da Fotografia não pode estar completo sem o nome de Hippolyte Bayard (1801-1887). Bayard, o mais ignorado dos quatro inventores da Fotografia, foi também esquecido pela Academia das Ciências francesa que, em 1839, e protegendo Daguerre, só lhe atribuiu uma bolsa de 600 francos pelas suas descobertas (Daguerre e Isidore Niépce, filho de Joseph Niépce, conseguiram rendas vitalícias de 6000 e 4000, respectivamente). Ficou para História da Fotografia o auto-retrato apócrifo de Bayard, onde este escreveu: Le gouvernement qui avait beaucoup trop donné à M. Daguerre a dit ne rien pouvoir faire pour M. Bayard et le malheureux s'est noyé. (O governo, que deu demasiado ao senhor Daguerre, disse nada poder fazer em favor do senhor Bayard e o infeliz afogou-se.)
Carlos Miguel Fernandes
3 comentários:
Já agora, no texto manuscrito de Bayard que refere, com uma certa ironia e também azedume Bayard inicia escrevendo: "Le Cadavre du Monsieur que vous voyez ci-derrière est celui de M. Bayard, inventeur du procédé dont vous venez de voir...."
Todo o texto é de facto delicioso Madalena.
(Quem quiser pode ler o texto integral aqui: http://fr.wikipedia.org/wiki/Hippolyte_Bayard)
Para mim, uma das coisas mais fascinantes nesta história toda é o confronto entre duas maneiras de ver o mundo. A francesa, com a sua intervenção estatal omnipresente(o Estado francês adquiriu a patente), e a anglo-saxónica , onde prevalece a livre iniciativa e a resposanbilidade individual (Talbot patenteou a sua invenção).
Obrigado por Blog intiresny
Enviar um comentário