Comprei Bordertown no Texas, em 1999, não muito longe da fronteira que o livro de Barry Gifford e David Perry intenta retratar. Mas a distância entre San Antonio e a linha que divide os EUA do México é ainda suficientemente grande para afastar da cidade do Álamo o desassossego que cerca tantos lugares de passagem, e que os corrompe para além do tolerável, oferecendo-lhes como reparação inglória uma aura romântica que seduz sem mais argumentos do que a honestidade dos seus recantos pútridos. Talvez por isso, talvez por estar tão perto de um abismo que atrai toda a desordem como um vórtice ardiloso, San Antonio é uma cidade branda sem muitos argumentos para além do inevitável Álamo e de toda a história que lhe está associado. Curiosamente, foi na Batalha do Álamo (1836) que a fronteira actual entre os EUA e o México se começou a desenhar a traço indelével. Foi nesse território que dois artistas americanos se moveram para realizar Bordertown, um esboço directo e áspero da vida nas terras raianas da América Central, feito com as imagens do fotógrafo David Perry e com os textos e desenhos de Barry Gifford, autor de Wild at Heart, obra que foi transformada em filme por David Lynch em 1990.
O livro não esconde um apurado trabalho gráfico, mas não se deixa cair no pudor acusatório nem resvala para a romantização de um mundo com feridas profundas. O tráfico de droga, os raptos, os assassinatos, a prostituição e os pequenos crimes convivem com o quotidiano da rua, e a maldição estende-se pelos três mil e cem quilómetros da fronteira internacional mais movimentada do mundo. Bordertown mostra um universo sem rasto de redenção, pois os seus actores não parecem procurá-la. As personagens percorrem o livro e as silhuetas da paisagem urbana como caminham nas cidades da fronteira: resignadas, felizes ou infelizes. À sua maneira excessiva, estas bordertowns são também cidades tristes e alegres.
Ao contrário de Palla e Costa Martins, Gifford e Perry não ficarão arrolados em lugar de destaque na História da Fotografia e do livro de fotografia. Mas Bordertown não é uma obra desprezável e serviu de complemento a uma viagem que não pôde ir além de San Antonio. Com Bordertown tive a ilusão de ir um pouco mais longe. E há lugares que só se visitam nos livros.
O livro não esconde um apurado trabalho gráfico, mas não se deixa cair no pudor acusatório nem resvala para a romantização de um mundo com feridas profundas. O tráfico de droga, os raptos, os assassinatos, a prostituição e os pequenos crimes convivem com o quotidiano da rua, e a maldição estende-se pelos três mil e cem quilómetros da fronteira internacional mais movimentada do mundo. Bordertown mostra um universo sem rasto de redenção, pois os seus actores não parecem procurá-la. As personagens percorrem o livro e as silhuetas da paisagem urbana como caminham nas cidades da fronteira: resignadas, felizes ou infelizes. À sua maneira excessiva, estas bordertowns são também cidades tristes e alegres.
Ao contrário de Palla e Costa Martins, Gifford e Perry não ficarão arrolados em lugar de destaque na História da Fotografia e do livro de fotografia. Mas Bordertown não é uma obra desprezável e serviu de complemento a uma viagem que não pôde ir além de San Antonio. Com Bordertown tive a ilusão de ir um pouco mais longe. E há lugares que só se visitam nos livros.
Carlos Miguel Fernandes
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