E foi tudo, nessa tarde quente de Julho. E foi muito.
(Outras histórias de Nova Iorque aqui.)
Carlos Miguel Fernandes
— Bem, na verdade a fotografia é uma coisa maravilhosa, quando se começa a pensar.
James Joyce, Gente de Dublin
O último livro da Exlibris é Photography: Crisis of History, uma colectânea de ensaios coordenada por Joan Fontcuberta. (Um dos textos é de Teresa Siza.) Por este, e pelos três livros descritos atrás, gastou-se 37 euros. Não se pode dizer que tenha sido caro.
Pouco depois de sair da Exlibris descobri a Gawronski Buchhandlung, situada no número 119 da Friedrichstrasse (na Friedrichstrasse, dada a dimensão da rua, é importante saber do número da porta dos lugares que procuramos), e que estranhamente me passou ao lado nas anteriores deslocações a Berlim. Tal como a Exlibris, a Gawronski é especializada em livros de arte, e, em particular, de fotografia. A diversidade e a qualidade da oferta é impressionante. O carrinho de compras já estava bem recheado, por isso só se comprou Pyongyang, de Charlie Crane, um livro estranho, muito estranho. Propaganda, ou encenação da propaganda?, passe o pleonasmo. O prefácio, escrito por Nicholas Bonner, promotor de viagens à Coreia do Norte, denuncia alguma simpatia por um dos regimes políticos mais atrozes que conhecemos. No entanto, tendo em conta que a empresa de Bonner está sediada em Beijing, o tom do discurso pode ser apenas uma forma de auto-preservação. Quanto ao trabalho de Charlie Crane, não o conhecia, mas vejo ali traços germânicos. Talvez esteja a ser afectado pelo contexto, mas não posso deixar de me lembrar de Sander, de Thomas Weinberger e do casal Becher.
Carlos Miguel Fernandes
View to the north from the corner of the Leipziger Strasse/Friedrichstrasse. Apart from the Potsdamer Platz this was one of the liveliest crossroads in the city. With their department stores, shops and bars, both streets were popular with Berliners and tourists. Berlin – Photographien 1880-1930
A imagem em cima mostra onde tudo aconteceu. Esta fotografia do cruzamento da Friedrichstrasse com a Leipzigerstrasse pode ser vista em Berlin – Photographien 1880-1930, uma obra que nos dá uma ideia da cidade que existiu e fervilhou antes de o século XX ter entrado em acção com o seu rolo compressor. Foi um dos bons livros que trouxe da livraria Exlibris. Falarei disso no próximo texto.
Carlos Miguel Fernandes
Henri Cartier-Bresson, Alberto Giacometti, 1961
A primeira grande retrospectiva do trabalho de Jacques Henri-Lartigue (1894-1986) em terras francesas ficou registada no pequeno catálogo 8x80, com edição da Delpire e prefácio de Michel Frizot. Patente ao público em 1975 no Musée des Arts Decoratifs, em Paris, a exposição contou com cerca de duzentas fotografias, das quais foram seleccionadas sessenta e uma para integrar o catálogo. O papel é óptimo e as provas estão perto da perfeição.
Lewis Carroll (1832-1898) é famoso como autor dos livros Alice no País das Maravilhas e Alice do Outro Lado do Espelho. Menos conhecida é sua actividade como professor de matemática, mas uma leitura cuidada dos textos revela uma ligação à lógica, à ciência, ao xadrez; e ainda hoje os dois livros são terreno fértil de metáforas para paradigmas e teorias. (O termo Red Queen Effect, que designa uma teoria da biologia evolutiva cada vez mais contestada que pretende explicar alguns fenómenos como a emergência e vantagem do sexo no processo de evolução, foi inspirado num episódio do livro Alice do Outro Lado do Espelho.) A sua obra fotográfica, centrada no retrato, encontra-se também na sombra do sucesso dos livros de Alice, mas tem argumentos para nos pedir um olhar atento. A afinidade com o trabalho de Julia Margaret Cameron (1815-1879) é notória, não só nas formas como no método: Lewis Carroll, tal como a fotógrafa inglesa, encontrava naqueles que lhe estavam próximo os motivos dos seus estudos fotográficos. As crianças ocupam grande parte do seu trabalho, e Alice Liddel, a Alice que inspirou os seus livros, faz parte da extensa galeria de retratados (que inclui também Julia Margaret Cameron). Lewis Carroll, Photographer começa com um texto de Helmut Gernsheim sobre o autor integrando-o na História da Fotografia inglesa. Seguem-se sessenta e três retratos, onde não falta Alice Liddel, nem o xadrez, uma das paixões de Carroll: o notável The Misses Lutwidge, 1859, mo
stra as tias do fotógrafo no “meio jogo” de uma partida de xadrez. Este livro agora adquirido em Amsterdão junta-se a uma das peças mais estimadas da biblioteca, a qual encontrei em Lubliana há alguns anos. Chama-se Lewis Carroll, foi editado pelo British Council em 1998, no centenário da morte do artista, e junta ensaios de Marina Werner, Roger Taylor e Michael Bakewell, para além de vinte e quatro imagens.
No livro Stielglitz – a memoir/biography, de Sue Davidson Lowe, podemos encontrar, para além da biografia do grande fotógrafo e galerista americano Alfred Stieglitz (1864-1946), alguns retratos por ele executados, nos quais se incluem dois auto-retratos e uma inevitável fotografia da pintora Gergia O’Keefe (1887-1986), a mulher com quem esteve casado durante mais de duas décadas, até à sua morte em 1946.
Kindred Spirits, Hungarian Photographers 1914-2003 é o catálogo de uma exposição sobre fotografia húngara comissariada por Péter Nadas (1942-) que esteve em exibição no Museu de Fotografia de Hague entre Setembro de 2004 e Janeiro de 2005. Budapeste é uma cidade que tenho visitado com regularidade nos últimos anos e de onde tenho trazido algumas referências que vou guardando na prateleira. No entanto, é fácil esquecer que a Hungria já nos deu fotógrafos como Robert Capa (1913-1954), Brassai (1899-1984), Kertész (1894-1985) e Moholy-Nagy (1895-1946), pois tais nomes foram internacionalizadas e fazem agora parte do património da humanidade. O livro guarda excelentes reproduções de alguns trabalhos dos autores citados, e de outros, como Márta Rédner (1909-1991), Martin Munkasci (1896-1963), e até Péter Nádas, o comissário da exposição e autor dos textos que acompanham as fotografias. Talvez os ensaios de Nádas me ajudem a reunir e a entender o material que tenho trazido de Budapeste.
Carlos Miguel Fernandes
Daniel Kazimierski, moj patac
Carlos Miguel Fernandes