16.6.07

As Livrarias de Berlim

Vamos começar pela Exlibris. Podem encontrá-la na Reinhardtstrasse, uma rua perpendicular à Friedrichstrasse, na extremidade norte da extensa via que liga o Kreuzberg ao Mitte. (Confesso o meu fascínio pela zona de confluência entre a Friedrichstrasse e a Oranienburger Strasse, e tenho as minhas razões.) Já conhecia a Exlibris de outras viagens, e de lá veio um livro de August Sander (1876-1964). Desta vez encontrei a livraria numa simpática fase de promoção do seu extenso catálogo de livros de fotografia.

De Berlin — Photographien 1880-1930 já falei aqui em baixo. O livro acolhe cem fotografias de Berlim tiradas entre 1871 e 1931 por F. Albert Schwartz (1836-1906), Hermann Rückwardt (1845-1919), Waldemar Titzenthaler (1869-1937) e Max Missmann (1874-1945), entre outros fotógrafos, alguns, provavelmente, anónimos. São retratos de uma cidade que já não existe, um lugar burguês, arrebatador e vibrante que começou a definhar em 1933, e que morreu em 1944 sob a espada impiedosa do Aliados. Podia ter ressuscitado, como tantas outras cidades, arrasadas e reerguidas, numa espécie de hino perverso à estupidez e grandeza humanas. Mas ficou refém da estupidez durante mais quarenta anos. Em 1989 o Muro desapareceu, e uma nova cidade começou a nascer a partir da longa faixa urbana que antes era “terra de ninguém”. É essa cidade em metamorfose que Gabriele Basilico nos mostra no livro Berlin, editado em 2002 (as imagens são de 2001), e prémio Photoespaña do melhor livro de fotografia desse ano.
Goste-se ou não do trabalho de Gabriele Basilico (e eu gosto!), temos de reconhecer que Berlin é um objecto belíssimo que mereceu o prémio Photoespaña (o mesmo que este ano foi atribuído ao português Daniel Blaufuks). Capa dura, lombada elegante e 138 fotografias reproduzidas de forma irrepreensível. E o prefácio é, pelo menos, original: uma conversa telefónica entre Basilico, Hans Ulrich Obrist e Stefano Boeri. Nas fotografias, Gabriele Basilico mostra-nos uma cidade que só tem seis anos mas já pertence ao passado. É assim com as cidades em construção: o que se fotografa hoje já é matéria de estudo amanhã.

Eterna parece ser a Nova Iorque de David Bradford, um taxista-fotógrafo, que em 1996 editou Drive-By Shootings — Photographs by a New York Taxi Driver. Bradford leva-nos numa longa viagem pelas ruas de Nova Iorque, e as janelas do seu carro são como uma tela onde corre um filme que há muito conhecemos. Gerswhin e Sinatra compõem uma banda sonora imaginária, e enquanto folheamos as quinhentas páginas de Drive-By Shootings vêm-nos à memória umas frases que um pai diz para um filho em The 25th Hour, de Spike Lee: You're a New Yorker. That will never change. You've got New York in your bones. Todos temos Nova Iorque a correr-nos nas veias, e ainda mais depois da queda das torres nos mostrar que afinal não há cidades eternas.

O último livro da Exlibris é Photography: Crisis of History, uma colectânea de ensaios coordenada por Joan Fontcuberta. (Um dos textos é de Teresa Siza.) Por este, e pelos três livros descritos atrás, gastou-se 37 euros. Não se pode dizer que tenha sido caro.


Pouco depois de sair da Exlibris descobri a Gawronski Buchhandlung, situada no número 119 da Friedrichstrasse (na Friedrichstrasse, dada a dimensão da rua, é importante saber do número da porta dos lugares que procuramos), e que estranhamente me passou ao lado nas anteriores deslocações a Berlim. Tal como a Exlibris, a Gawronski é especializada em livros de arte, e, em particular, de fotografia. A diversidade e a qualidade da oferta é impressionante. O carrinho de compras já estava bem recheado, por isso só se comprou Pyongyang, de Charlie Crane, um livro estranho, muito estranho. Propaganda, ou encenação da propaganda?, passe o pleonasmo. O prefácio, escrito por Nicholas Bonner, promotor de viagens à Coreia do Norte, denuncia alguma simpatia por um dos regimes políticos mais atrozes que conhecemos. No entanto, tendo em conta que a empresa de Bonner está sediada em Beijing, o tom do discurso pode ser apenas uma forma de auto-preservação. Quanto ao trabalho de Charlie Crane, não o conhecia, mas vejo ali traços germânicos. Talvez esteja a ser afectado pelo contexto, mas não posso deixar de me lembrar de Sander, de Thomas Weinberger e do casal Becher.


Carlos Miguel Fernandes

2 comentários:

Madalena Lello disse...

obrigado pelas sugestões, ´sobretudo o de Basilico sobre Berlim que não conhecia.

CMF disse...

O livro do Basilico é fantástico, Madalena.