Meu pai morreu mal eu tinha completado os seis anos e apagou-se-me da memória toda e qualquer imagem sua, substituída – apagada, talvez – por imagens artísticas ou artificiais, as das fotografias; e entre outras a de um
daguerreótipo dos seus tempos de rapaz, era ele então apenas filho, também. Se bem que nem toda a imagem sua me tivesse desvanecido, confusamente, embora, e numa névoa oceânica, sem rasgos distintos, ainda o vislumbro num momento em que me foi dado a descobrir, era eu bem pequenino, o mistério da linguagem.
Miguel de Unamuno, Como se Faz Uma Novela
Robert Frank, Andrea, Pablo, Mary, Texas, 1956
Como terão sobrevivido, na memória de Frank, as imagens dos filhos? Ter-se-ão mantido, ilusoriamente, reais, vivas? Ou terão sido também substituídas por ícones artificiais?, produtos contrafeitos pela estrutura cerebral de um criador de imagens sem cor, e inspirados em recordações tão perfeitas como a fotografia referida, na qual Robert Frank congelou, num qualquer lugar do Texas, e para a eternidade, as expressões daqueles que o seguiam na grande aventura. Todas as famílias têm fotografias assim. Enquanto posavam, estavam todos protegidos pelo espaço de alguns segundos e estes segundos tornaram-se uma realidade. Da simplicidade destas palavras de Patrick Modiano, em Dora Bruder, solta-se uma sageza triste e solitária, que não é mais do que resignação perante o inevitável drama humano.
Robert Frank nasceu em 1924 em Zurich. Em 1947 parte para Nova Iorque, onde trabalha na Harper’s Bazaar, Fortune, Life e Look. Em 1955 e 1956, graças à obtenção de a uma bolsa Guggenheim, viaja exaustivamente pelos Estados Unidos da América. Dessa viagem resulta o livro Les Americains, publicado em 1958 em França e Itália. Mal recebido nos Estados Unidos, onde foi rotulado de anti-americano, o livro só chegaria à terra dos retratados no ano seguinte, prefaciado por Jack Kerouac. Marco enorme na História da Fotografia, a obra serviu de charneira no percurso de Frank: em 1960, guarda a Leica e passa a dedicar-se apenas à realização de filmes. Mas o fotógrafo não encontrou na vida um eco do seu sucesso como artista. Para além da perda de dois filhos, Frank teve que lidar com a deficiência mental do seu irmão, experiência dolorosa que retratou em Me and My Brother, filme concluído em 1968.
Regressa à Fotografia em 1972. Abandona o estilo que o consagrou, renega a herança de Walker Evans, e inicia um período menos formal, de menor pendor documental e fortemente marcado pelos cruéis acontecimentos que devastam a sua vida pessoal e pelo ambiente gélido e agreste que rodeia o seu refúgio na Nova Escócia, a casa que havia comprado, em 1970, com June Leaf, a sua mais recente companheira (e com quem se casa em 1975).
Robert Frank ainda vive com June Leaf em Mabou, Nova Escócia.
Carlos Miguel Fernandes
Bibliografia
2 — Frank, R., Robert Frank, Centre National de la Photographie (colecção Photo Poche n.10, textos de Robert Frank).
1 comentário:
depois de todas as adversidades que a vida lhe pregou Robert Frank continua com a sua máxima "Keep Going".
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